quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Pontuação

A pontuação errada prejudica seriamente a interpretação do que está escrito. 

Há vários textos engraçados para exemplificar o que acabo de referir, mas costumo apresentar este aos meus alunos: "As minhas coisas preferidas são comer a minha a avó e o meu cão." Eles riem e rapidamente detetam a falta de pontuação adequada.

Com os mais crescidos, analiso o fantástico vídeo comemorativo dos cem anos da Associação Brasileira de Imprensa, que podem visualizar no endereço:  https://www.youtube.com/watch?v=uWKpx5Ls1zg. 

Se quiserem, podem passar alguns minutos com estes exercícios divertidos.

1- Um dia Salazar entrou numa sala e viu escrita uma frase que o deixou furioso: “QUEREMOS SALAZAR MORTO NÃO FAZ FALTA AO PAÍS.”
Pontue a frase e encontre nela os dois sentidos que o texto nos faz prever: um apazigua Salazar e outro enfurece-o mais ainda. 

2- A Herança
Um homem rico, prestes a morrer, pediu papel e caneta e escreveu assim: “Deixo os meus bens à minha irmã não a meu sobrinho jamais será paga a conta ao alfaiate nada aos pobres.”
Como estava muito doente, o pobre senhor não pontuou devidamente o testamento. Por isso, todas as pessoas mencionadas quiseram ser beneficiadas e pontuaram-no a seu favor. Pontue o testamento de modo a beneficiar cada uma dessas pessoas: a irmã, o sobrinho, o alfaiate e os pobres.

3- “Um homem tinha um cão e a mãe do homem era também o pai do cão.”
Esta frase, tal como está, não faz sentido. Pontue-a corretamente. 

Toda a pontuação é importante, mas as vírgulas, em particular, fazem toda a diferença na interpretação do sentido de uma frase ou texto. Podem:
Apressar ou fazer esperar (Não espere. Não, espere).
Aumentar ou diminuir o nosso dinheiro (41,50 €. 4,150 €)
Criar ou destruir egos (Isso só ele resolve. Isso só, ele resolve).
Desanimar ou animar (Vamos perder, nada foi resolvido. Vamos perder nada, foi resolvido).
Suscitar interesse ou negá-lo (Não, queremos saber. Não queremos saber.).
Condenar ou salvar (Não tenha clemência. Não, tenha clemência).

Como se escreve?

Muitas vezes, cometemos erros por desconhecimento da forma correta. Sempre vimos as palavras assim escritas ou sempre as ouvimos serem ditas daquela forma. Lê-las e ouvi-las nos órgãos de Comunicação Social ou em páginas das redes sociais pode, inclusivamente, reforçar as nossas certezas e perpetuar o erro. 

“Uma casa portuguesa (de milhões) concerteza.” Este título do jornal Correio da Manhã, de 6 de agosto de 2017 (http://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/uma-casa-portuguesa-de-milhoes-concerteza (acedido em 23/01/2018), é o ponto de partida para o artigo de hoje. 

A forma correta é “com certeza”. Trata-se de uma locução adverbial composta pela preposição “com” e pelo nome “certeza” e pode ser substituída por “certamente”. Apesar de a locução ser mais utilizada com a preposição “com”, alguns dicionários registam “de certeza”, com a preposição “de”.

Outro erro muito frequente é a confusão instalada entre “mal-estar” e “*mau-estar”.

A página da RTP Açores destaca um artigo intitulado “Há mau estar na UGT dos Açores, admite o Presidente do Conselho Geral”, publicado a 12 de novembro de 2017 (https://www.rtp.pt/acores/politica/ha-mau-estar-na-ugt-dos-acores-admite-o-presidente-do-conselho-geral-video_55935, acedido em 23/01/2018).

O correto é mal-estar, pois “mal” opõe-se a “bem”. Neste caso ficaria bem-estar. Mal-estar significa uma indisposição, um incómodo, um não estar bem. “Mal” e “bem” são advérbios. “Mau” e “bom” são adjetivos. 

“Mal-estar” é um nome comum masculino. A maioria das palavras compostas que se iniciam com “mal” são adjetivos (mal-acabado, mal-acostumado, maldisposto). 

A este propósito, consulte-se a Base XV, do AO de 1990, sobre o uso do hífen em compostos, locuções e encadeamentos vocabulares: “emprega-se o hífen nos compostos com os advérbios bem e mal, quando estes formam com o elemento que se lhes segue uma unidade sintagmática e semântica e tal elemento começa por vogal ou h. No entanto, o advérbio bem, ao contrário de mal, pode não se aglutinar com palavras começadas por consoante. Eis alguns exemplos das várias situações: bem-aventurado, bem-estar, bem-humorado; mal-afortunado, mal-estar, mal-humorado; bem-criado (cf. malcriado), bem-ditoso (cf. malditoso), bem-falante (cf. malfalante), bem-mandado (cf. malmandado), bem-nascido (cf. malnascido), bem-soante (cf. malsoante), bem-visto (cf. malvisto).
Obs.: em muitos compostos o advérbio bem aparece aglutinado com o segundo elemento, quer este tenha ou não vida à parte: benfazejo, benfeito, benfeitor, benquerença, etc.

Com base no abordado nos parágrafos anteriores, terminamos com “Bem-vindo” e “Benvindo”. Infelizmente, não são raras as vezes que vemos placas de “boas-vindas” como as reproduzidas. 






Uma pesquisa rápida pela internet também nos permite constatar que há várias páginas que nos saúdam com “benvindos” ou “bem vindos”. Algumas de referência ou de empresas (“Benvindo ao MSN Finanças”, página da Microsoft, em  https://support.microsoft.com/pt-pt/help/2999547/welcome-to-msn-money, acedido em 23/01/2018). 

Quando designa a saudação de boas-vindas, a palavra escreve-se com hífen. “Bem-vindos” é elipse (quando o verbo não está expresso) da frase “sejam bem-vindos”. De salientar, que o segundo elemento da palavra concorda em género e número com o sujeito (ele é bem-vindo, ela é bem-vinda, eles são bem-vindos, elas são bem-vindas). 

“Benvindo” é um nome próprio, tal como o feminino “Benvinda”.

Parece, mas não é.

O artigo de hoje poder-se-ia chamar “parece, mas não é”. Falaremos de expressões que são usadas quotidianamente e que parecem estar corretas.

Comecemos pela expressão *”enviar em anexo”. Todos nós recebemos e enviamos mensagens eletrónicas em que usamos a expressão supracitada quando queremos informar o nosso interlocutor de que existe um documento que segue com a mensagem.

Ora, o correto seria dizer e escrever “enviar anexo”, pois a expressão *“em anexo” é um galicismo a evitar. Na realidade, nós anexamos (verbo) um documento que segue anexo (adjetivo). Sendo um adjetivo, deve concordar em género e número com o nome (“segue anexo o documento”, “segue anexa a ata”, “seguem anexos os documentos”, “seguem anexas as atas”).

Napoleão Mendes de Almeida, na obra Dicionário de Questões Vernáculas esclarece, ainda, outros casos “em que não cabe em bom português o emprego da preposição em (…)”, pois “é francês o emprego da preposição em para indicar a matéria de que uma coisa é feita”. Assim, também devemos trocar *"estátua em bronze", por “estátua de bronze”, *”lenço em seda”, por “lenço de seda” ou *”anel em prata” por “anel de prata”.

Outro francesismo a evitar é a expressão “colocar uma questão”. À partida pensamos que estamos a usar um registo de língua mais cuidado ao utilizá-la em vez de “fazer uma pergunta”. Todavia, trata-se de uma tradução literal do francês “poser une question”. O verbo “colocar” (ou em alternativa “pôr”) são verbos que, em português, implicam a estrutura “ colocar/pôr alguma coisa nalgum lugar”. 

Podemos sempre dizer “formular uma questão” ou “apresentar uma questão”. 

Por fim, temos a palavra “fã” tantas vezes erradamente escrita como *“fan”. Este nome é um empréstimo do inglês fan, abreviatura de fanatic e significa o mesmo que admirador. 

De acordo com as regras de ortografia do português europeu, as palavras portuguesas não podem terminar em “-n” (com exceção das poucas que entraram tardiamente na língua portuguesa por via erudita, daí não terem sofrido praticamente alterações de grafia, como por exemplo: abdómen, cólon, éden, espécimen, glúten, hífen, hímen, líquen, pólen e sémen). Podemos dizer, pois, que esse “-n” é etimológico. 

De salientar que, segundo os linguistas Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, a consoante nasal “-n, em final de palavra, se pronuncia da mesma forma como em neve ou em nada. Referem, ainda, que as palavras terminadas em “–n” são graves, e a sua acentuação deve ser marcada com acento gráfico (ex: hífen). 

Verbos maltratados

Um dos verbos mais mal tratados na língua portuguesa é o “intervir (sobretudo no pretérito perfeito do indicativo). Muitos tendem a usá-lo erradamente.

A forma verbal correspondente à terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo é “interveio” e não “*interviu”, como frequentemente se ouve.

É fácil deixar de errar se percebermos que “intervir” tem como forma de base o verbo “vir”. Se as dúvidas persistirem, conjugue o verbo “vir” e acrescente-lhe “inter” (eu intervim, tu intervieste, ele INTERVEIO, nós interviemos, vós interviestes, eles intervieram).

Padecendo de mal semelhante, temos os verbos “entreter(-se), “obter” ou “deter”. Estes verbos derivam de “ter” e, por isso, devem seguir a sua conjugação (eu detive, tu detiveste, ele deteve, nós detivemos, vós detivestes, eles detiveram).

A saber, também, que estes verbos possuem acento agudo na terceira pessoa do singular (“Ele entretém-se a brincar com carrinhos”) e acento circunflexo na terceira pessoa do plural do presente do indicativo (“Eles entretêm-se a brincar com carrinhos”).

Outros verbos que também sofrem, desta vez na escrita, são os derivados de “pôr”. Este verbo escreve-se com acento circunflexo, distinguindo-se da preposição “por”, mas os seus derivados não são acentuados graficamente no infinitivo (compor, contrapor, decompor, depor, dispor, expor, impor, opor, predispor, pressupor, propor, repor, supor…). Porém, é obrigatório colocar o acento circunflexo na forma verbal, na terceira pessoa do singular, no pretérito perfeito do indicativo (compôs, contrapôs, decompôs, depôs, …)

Vem também a propósito, a minha primeira crítica ao Acordo Ortográfico de 1990. Se mantiveram o acento circunflexo no verbo “pôr” para o diferenciar da preposição “por”, não se compreende por que razão não o fizeram nas palavras “para” (preposição) e “para” (verbo “parar”).

 O contexto ajuda, quase sempre, a diferenciá-las, mas não raras vezes temos de reler títulos como “CADEIRA PARA COMBOIO” para percebermos se se trata de uma cadeira para equipar comboios ou de uma cadeira que, por estar no meio da linha, parou o comboio!

Grama

Quando vou à charcutaria, não são raras as vezes que me olham de soslaio quando me ouvem pedir “trezentos gramas de chourição”. Reparo, mesmo, no tom condescendente e quase pedagógico de alguns funcionários quando repetem o meu pedido, mas substituindo o “trezentos” por um enfático e muito audível “trezentas”. 

Infelizmente, é muito frequente associar a palavra “grama”, enquanto unidade do sistema de medidas de massa, ao feminino talvez porque termina em “a” marca comum do feminino em português. Todavia, neste caso, “grama” é um nome comum masculino com origem na palavra grega “grámma” e equivale à milésima parte do quilograma. O seu símbolo é “g” (minúscula e sem ponto abreviativo).

A forma feminina, também um nome comum, existe, mas é uma “erva rasteira, rizomatosa, prejudicial às culturas, pertencente à família das Gramíneas, espontânea em Portugal, e também conhecida por gramão (in Dicionário da Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2016). 

Curiosamente, no Brasil, “grama” é sinónimo de “relva” e o relvado dos campos de futebol é denominado “gramado”.  

Assim, seja nos meus “trezentos gramas de chourição”, seja na droga encontrada pela Polícia Judiciária - a que se refere esta notícia: “A PJ refere ainda ter detido segunda-feira um homem que se encontrava na posse de trezentas gramas de haxixe” (in http://www.jn.pt/PaginaInicial/Justica/Interior) - ou, ainda, no peso de um minúsculo Chihuahua aludido na notícia da TVI24 que nos diz que o cachorrinho Toudi “tem doze semanas, sete centímetros e pesa apenas trezentas gramas” (in http://www.tvi24.iol.pt/acredite-se-quiser/record/conheca-o-chihuahua-mais-pequeno-do-mundo), devemos usar o masculino nos valores dos gramas mencionados. 

Unidades e símbolos

Quantos kilómetros vão as equipas percorrer nos 16-avos de final da Liga dos Campeões?” é a pergunta lançada no portal “futebol feminino em Portugal” (futebolfemininoportugal.com).

Mais uma vez, não vale culpar o novo acordo ortográfico por este erro tão recorrente. A introdução do K, do W e do Y no alfabeto português não nos permite utilizar estas letras a nosso bel-prazer. Estas apenas se usam em:
(i) antropónimos originários de outras línguas e seus derivados (ex.: Franklin, frankliniano);
(ii) em topónimos originários de outras línguas e seus derivados (ex.: Malawi, malawiano);
(iii) em siglas, símbolos e em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional (ex.: TWA, W-oeste  (West); kg-quilograma, kW-kilowat, Watt).

Devemos, pois, escrever “quilómetro” e não ”Kilómetro”. O símbolo é “km” sem inicial maiúscula e sem ponto abreviativo. 

Os símbolos das unidades que representam a grandeza escrevem-se com um espaço de intervalo e são invariáveis, isto é, não se acrescenta um “s” para o plural. O correto será escrever “12 km” se quiser reproduzir “doze quilómetros”. 

Por vezes, verificamos hipercorreções ao escrever (e dizer) os nomes das unidades também no singular, como “*doze quilómetro” em vez de “doze quilómetros". Os nomes das unidades, se escritos por extenso, têm plural. 

Quando nos referimos a quilómetro/hora, devemos usar o símbolo km/h. Também aqui há quem cometa erros como este encontrado num título de jornal. “Aviso. Domingo há chuva forte e ventos que podem chegar aos 120 kms/h”(DN, quarta-feira 24 de fevereiro de 2016). O correto seria 120 km/h.

Em caso de dúvidas, a fonte a consultar é o Decreto-Lei n.º 427/83 de 7 de dezembro, que regulamenta que as unidades a utilizar em Portugal deverão ser as do Sistema Internacional de Unidades. 

A este respeito, há uma publicação incontornável intitulada Sistema Internacional de Unidades (SI) Grandezas e Unidades Físicas - Terminologia, Símbolos e Recomendações, de Guilherme de Almeida.

Pleonasmo vicioso


Sabe o que é um pleonasmo vicioso? É o termo usado para definir um dos vícios mais comuns de linguagem e consiste na repetição despropositada de uma ideia em termos diferentes.
O exemplo clássico é o famoso “entrar para dentro”. Há outros que pedem alguma atenção por parte do ouvinte para detetar a incongruência. Muitos são repetidos há anos sem darmos conta.
Quem nunca disse “certeza absoluta”? Talvez já tenham dado “o acabamento final” à pintura das paredes ou partido uma laranja em “duas metades iguais”. Já tiveram uma “surpresa inesperada” e “encararam de frente” o médico para lhe apresentar “sintomas indicativos” de alguma doença com ou sem “detalhes minuciosos” para ele “planear antecipadamente” o tratamento e apresentar a “última versão definitiva” que será, obviamente, uma “escolha opcional”?
Obviamente, que todas estas repetições são dispensáveis. Todavia, se as podemos tolerar na oralidade informal, devemos repudiá-las na escrita.
De todas, há uma que está totalmente arreigada quer na linguagem oral quer na escrita: “há anos atrás”. É recorrente ouvi-la na rua, na escola e nos meios de comunicação social, mas está errada! Nem sequer pode ser entendida como uma redundância aceitável.
Quando digo “encontrei o Pedro há dois dias” o verbo “haver” significa “existir” e usa-se para indicar o período decorrido entre o momento em que teve lugar a ação mencionada até à altura em que a frase é proferida. Por outras palavras, passaram dois dias desde que encontrei o Pedro. A utilização do advérbio “atrás” é redundante e errada, pois duplica os marcadores de tempo.
Não obstante, pode sempre dizer-se “dois dias atrás”, mas sem o verbo “haver”. É, pois, correto dizer “encontrei o Pedro há dois dias” ou “encontrei o Pedro dois dias atrás”
Assim, e como “*conclusão final”, não é por se ouvir na televisão ou por se ler nos jornais que está certo!

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